Nenhum povo esquecido
- Pedro Vaz Patto
- 26 Agosto, 2022
- 0 ponto de vista de Cidade Nova
- Opinião
A comunicação social continua a dar grande destaque, todos os dias, à guerra da Ucrânia. Autoridades políticas de todo o mundo seguem com atenção tudo o que aí se passa. De modo especial, as imagens da televisão ajudam-nos a partilhar o drama das vítimas dessa guerra e isso tem contribuído para sensibilizar muitas pessoas para o acolhimento de refugiados ucranianos.
Tem toda a justificação esse destaque e essa atenção. Esta guerra foi desencadeada diretamente por uma grande potência e a tal não podem ser alheias outras grandes potências. As suas consequências económicas já se sentem em todo o mundo e mais se sentirão no futuro próximo. A Europa não conhecia uma guerra com as repercussões que esta tem, e com tão flagrante violação do direito internacional, desde os tempos da II Guerra Mundial (cuja memória traumática ainda está presente nas gerações mais velhas). São aos milhões as pessoas deslocadas e refugiadas, dentro e fora da Ucrânia. Os crimes de guerra e contra a humanidade sucedem-se de modo impressionante. A reconstrução desse país levará décadas, mesmo com a cooperação de outros países. Fala-se numa nova ordem internacional saída desta guerra.
Mas esse destaque e essa atenção também têm contribuído para que outras guerras com dramáticas consequências venham sendo esquecidas. Algumas delas nunca conheceram o destaque e a atenção que seriam devidos. Outas tiveram durante algum tempo um destaque e uma atenção semelhantes aos que hoje são dedicados à Ucrânia. Deixaram de os ter sem que, verdadeiramente, as situações se tenham alterado profundamente e como se já não houvesse motivo para sensibilizar a opinião pública mundial para as consequências dessas guerras.
Vêm-me à mente, a este propósito, entre outros, alguns exemplos.
No Iémen permanece, desde há vários anos, uma guerra que muitos ignoram. Das violências na Nigéria, no Sudão e na República Democrática do Congo quase ninguém fala. Os refugiados da guerra da Síria estão ainda longe de poder regressar às suas terras de origem. O mesmo deve dizer-se dos refugiados da região de Cabo Delgado, no norte de Moçambique, onde os ataques terroristas não cessaram, mas de que já poucos falam. Quanto a estes refugiados de Moçambique, nenhum deles tem meios para fugir para muito longe do conflito ou chegar à Europa.
Se acreditamos na unidade da família humana, estes factos impõem duas conclusões.
A solidariedade para com as vítimas das guerras não pode depender do destaque que lhes é dado pela comunicação social e da emoção provocada por imagens televisivas. Os media têm desempenhado um louvável papel de sensibilização da opinião pública para os dramas de povos em guerra, mas não chegam a todo o lado e muitas vezes guiam-se por ondas passageiras. Sobretudo, essa solidariedade não pode depender completamente da proximidade (geográfica ou cultural) que nos liga aos povos vítimas das guerras. Os que nos estão mais próximos, sentimo-los mais facilmente da nossa família e isso é bom. Mas se acreditamos na unidade de toda a família humana, nenhum povo, da Europa, de África ou de outro continente, pode ser esquecido quando é vítima de guerras ou de outras tragédias.
> Artigo publicado na Revista Cidade Nova de agosto/setembro de 2022
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