
Não há uma crise de santidade
- Pedro Vaz Patto
- 20 Outubro, 2024
- 0 ponto de vista de Cidade Nova
- Opinião
Celebrou-se há pouco o primeiro aniversário da Jornada Mundial da Juventude, realizada em Lisboa e em todas as zonas do nosso país. Um acontecimento extraordinário, como muitos nunca tinham vivido e provavelmente nunca mais viverão e que, por isso, permanecerá para sempre na sua memória. Mas também será bom questionarmo-nos sobre o que fica desse acontecimento para além dessa belíssima recordação. Uma tão grande mobilização de esforços e recursos não se justificaria sem que dela resultassem frutos duradouros, mudanças profundas na vida das pessoas e comunidades.
Neste contexto, depois de ler uma entrevista do autor ao jornal digital Sete Margens (onde ele também fala da JMJ de Lisboa), foi com muito interesse que li um livro do sociólogo francês Charles Mercier sobre a história das JMJ realizadas durante o pontificado de São João Paulo II: L´ Église, les jeunes et la mondialisation – Une histoire des JMJ (Bayard, 2020). Uma análise cientificamente rigorosa sobre as características dessas Jornadas, as vicissitudes da sua preparação e realização e também sobre os seus efeitos.
Dessa análise retive, como um fruto das JMJ, que estas ofereceram ao mundo secularizado um testemunho de unidade planetária sem paralelo. Foram uma amostra de que a unidade entre pessoas, povos e culturas diferentes não é uma utopia. É claro que essa unidade tinha por base a adesão à Igreja Católica, ainda que com abertura ao diálogo ecuménico e inter-religioso. Mas mesmo sem partilharem essa adesão, as sociedades onde decorreram as Jornadas foram sensíveis a esse testemunho. Este aspeto, evidenciado nesse livro a respeito das JMJ dos tempos de São João Paulo II, notou-se também na Jornada do ano passado no nosso país. Disso são sinais, entre outros, as declarações de políticos de várias tendências partidárias.
Para além desse aspeto, o livro analisa os reflexos mais profundos das JMJ na vida de fé dos seus participantes e na vida das Igrejas locais que nelas se envolveram. A conclusão a que chega não é a de que esses reflexos se tenham traduzido num incremento numérico da frequência dos sacramentos ou das vocações consagradas. Mas passando dessa análise genérica e quantitativa a uma análise pessoal e qualitativa, verifica-se que muitos foram os participantes que afirmam que a sua vivência da JMJ foi decisiva para reforçar a sua fé e para descobrir ou consolidar a vocação a que se sentiram chamados por Deus.
Este aspeto conduz-nos ao tema que destacamos especialmente neste número da nossa revista: a santidade hoje. Não será por acaso que na conceção das JMJ se destaca a escolha dos seus patronos. Para a JMJ do ano passado foram escolhidos vários, com especial destaque para os jovens (Pier Giorgio Frassati, Marcel Gallo, Carlo Acuti e Chiara Badano, já beatificados), nossos contemporâneos ou quase. Estes patronos foram apresentados como modelos de vida para os participantes na Jornada. Trata-se de uma santidade de pessoas comuns (santos “nossos vizinhos”, como costuma dizer o Papa Francisco), que se realizaram plenamente também no plano humano, ainda que colocados perante grandes adversidades.
Os mais belos frutos de qualquer Jornada Mundial da Juventude, o que verdadeiramente justifica todo o esforço, a dedicação e o trabalho que implicam há de ser essa meta: a santidade de alguns dos que nelas participaram. Poderão não ser milhares, mas serão sempre uma luz que a muitos serve de guia, agora e para sempre.
Quando somos tentados pela tristeza de ver vazias igrejas outrora cheias, esquecemos que os santos de hoje não são menos do que os do passado, que não há uma “crise de santidade”. São eles o sinal mais evidente de que Deus não abandona a sua Igreja hoje, no meio de todas as tribulações que a atingem.
> Artigo publicado no editorial da Revista Cidade Nova de outubro de 2024
Artigos do editorial da revista
- Manter viva a esperança na Terra Santa
- O sorriso de Deus para o mundo
- Não há uma crise de santidade
- O cuidado da criação
- Um marco na vida de muitos jovens
- Desafios do mediterrâneo e de Portugal
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- Evangelho e democracia
- Polarização e diálogo
- Paz na Terra Santa
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