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Desafios do mediterrâneo e de Portugal

Publicamos neste número alguns artigos sobre a região do Mediterrâneo, como palco histórico de encontros e desencontros entre culturas e religiões e sobre os desafios que tal implica na atualidade. Apesar de Portugal se situar já não inteiramente dentro dessa região, dela também está próximo e esses desafios também lhe dizem respeito.

Um desses desafios é do da imigração de povos de África e de outros continentes, que se tem intensificado nos tempos mais recentes e que suscita alguns receios, quando as suas culturas da nossa mais se distinguem (o medo do desconhecido, muitas vezes misturado com o preconceito). O Mediterrâneo continua a ser atravessado por candidatos à imigração que, no desespero da busca de uma vida melhor, o fazem em condições de grande precariedade, a ponto de aí perderem a vida. Ao nosso país também chegam pessoas em condições análogas, por vezes também através de redes que exploram esse desespero.

O desafio não é certamente o de fechar as portas a essas pessoas ou de as hostilizar, mas o de encontrar vias legais e seguras de as acolher. É a história que o diz, e, de modo mais eloquente, até a história do nosso país: as migrações podem beneficiar os países de origem e os de destino. Os imigrantes que chegam até nós suprem a falta de trabalhadores em várias áreas e, sobretudo, uma crise demográfica sem precedentes (não sendo essa a principal forma de suprir essa crise, para isso pode dar o seu contributo). O fruto do trabalho desses imigrantes contribui para o desenvolvimento dos seus países de origem. Na encíclica Fratelli tutti, o Papa Francisco apresenta esta realidade numa perspetiva de justiça social, à luz do princípio do destino universal dos bens; os bens de um país não devem ser negados a quem provém de outro lugar (n. 124); com as migrações, todos podem ganhar, porque todos perdem quando, em qualquer lugar, há pessoas e povos que não desenvolvem todo o seu potencial e toda a sua beleza por causa da pobreza (n. 137). Vale também aqui a “regra de ouro” da sabedoria universal, que nos exorta a tratar os imigrantes que chegam até nós como gostamos que no estrangeiro tratem os nossos emigrantes.  

A respeito do encontro de culturas e religiões de que é palco a região do Mediterrâneo (berço das três principais religiões monoteístas), também é oportuno o ensinamento do Papa Francisco. Afirmou ele em 17 de fevereiro de 2017: «Considerando que a primeira ameaça à cultura cristã da Europa vem precisamente do seio da Europa, o fechamento em si mesmos ou na própria cultura, nunca é a solução para voltar a dar esperança e realizar uma renovação social e cultural. Uma cultura consolida-se através da abertura e do confronto com as outras culturas, desde que haja uma consciência clara e madura dos seus princípios e valores».

Não pode ignorar-se que, entre os receios que suscita entre nós o contacto com imigrantes de outras culturas, está o da religião islâmica, que com frequência se associa necessariamente ao fanatismo extremista. A experiência que tenho de contacto com os mais autorizados representantes de comunidades islâmicas portuguesas não é essa; pelo contrário, é o de uma comunidade aberta ao diálogo com outras religiões, respeitadora da tradição católica portuguesa e que pretende a plena integração na nossa sociedade. É bom que se mantenha assim e que sejam apoiados esses seus representantes.

Nesse sentido, também deve ser reconhecido e apoiado o exercício da liberdade de culto muçulmano, o que supõe um acesso a locais condignos (mesquitas) que hoje nem sempre se verifica no nosso país. Também vale aqui a regra de ouro, que nos leva a reconhecer o valor da liberdade de culto do outro como queremos seja reconhecido o valor da nossa própria liberdade de culto. Não pode ignorar-se que isso nem sempre se verifica em países de tradição islâmica e isso deve ser denunciado. Mas não é certamente motivo para que não vigore essa regra entre nós.

> Artigo publicado no editorial da Revista Cidade Nova  de junho de 2024