Guerra e Paz
- Pedro Vaz Patto
- 9 Março, 2022
- 0 ponto de vista de Cidade Nova
- Opinião
Num dos primeiros dias da guerra da Ucrânia, numa videoconferência organizada pelas comissões Justiça e Paz europeias, impressionou-me o facto de um orador ucraniano dizer que faria uma declaração curta e sairia logo de imediato, porque tinham tocado as sirenes e teria de correr para um refúgio subterrâneo que o protegia de possíveis bombardeamentos. Isso fez-me recordar histórias que ouvi várias vezes a quem viveu a Segunda Guerra Mundial e que eu pensava pertencerem a um passado remoto. Tal como as imagens de pessoas desesperadas a fugir para a fronteira mais próxima…
Na verdade, fala-se na mais grave crise de segurança na Europa desde o final dessa guerra. A Comissão Nacional Justiça e Paz lembrou, a propósito, numa sua nota, as palavras de Pio XII na sua radiomensagem de 24 de agosto de 1939, quando estava iminente o início dessa guerra: «É com a força da razão, não com a das armas, que a Justiça progride. E os impérios que não são fundados sobre a Justiça não são abençoados por Deus. A política emancipada da moral atraiçoa aqueles mesmos que a desejam. O perigo é iminente, mas ainda há tempo. Nada se perde com a paz. Tudo pode ser perdido com a guerra».
Dos escombros da Segunda Guerra Mundial e das lições que dela podemos colher, nasceu a Carta das Nações Unidas, que condena a guerra de agressão ou como instrumento de regulação de conflitos internacionais. Ao “direito da força”, quis-se substituir a “força do direito” («É com a força da razão, e não com a das armas que progride a Justiça» – já proclamava Pio XII nesse discurso de 1939). Nessa mudança estava a chave para que a terrível e mortífera experiência dessa guerra não voltasse a repetir-se. A guerra da Ucrânia revelou que essa lição foi esquecida por alguns.
Esta guerra da Ucrânia leva-nos, pois, a recordar tal lição. Mas deve servir também para dela colhermos outras lições.
Talvez nunca como agora, assistimos a uma guerra em que intervém diretamente uma potência nuclear, que se confronta com a possível reação de outras potências nucleares. O receio de que armas nucleares não sirvam apenas de ameaça e dissuasão, e sejam mesmo usadas, por muito irracional que possa ser tal hipótese (mas também muito pouco racional foi o desencadear desta guerra a que assistimos), deixa toda a humanidade em suspensão. O Papa Francisco tem pugnado pela eliminação total das armas nucleares e considerou “profético” o Tratado internacional que, sob a égide das Nações Unidas, pretende essa eliminação. Esta deveria ser uma ocasião para não desistir desse objetivo, porque uma paz sólida e duradoura não pode basear-se no “equilíbrio do terror”. É claro que – e isso também o revela o atual contexto – só um desarmamento multilateral será viável (não é certamente de esperar que uma potência nuclear dê um primeiro passo, sem as outras fazerem o mesmo) e contribuirá verdadeiramente para essa paz sólida e duradoura.Por outro lado, nestes primeiros dias da guerra também impressiona a mobilização de solidariedade para com as vítimas que invade (outro tipo de invasão) quase todo o mundo. Na própria Rússia muitos são os manifestantes contra a guerra que são, por isso, perseguidos. Dispõem-se a acolher refugiados, sem hesitações, países que noutras ocasiões não revelaram tal abertura. Em Portugal, estreitam-se fortemente os laços com a comunidade de imigrantes ucranianos. Também talvez nunca tenha havido uma mobilização de solidariedade planetária como esta. Deste tão alargado repúdio da guerra pode, na verdade, nascer uma mais forte e consciente cultura de paz.
> Artigo publicado na Revista Cidade Nova de março de 2022
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