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A política ao serviço da paz

Em muitos países, cresce o desinteresse dos cidadãos pela participação política, desde logo através do voto. Multiplicam-se atitudes que revelam falta de ética da parte de políticos, de quem se esperaria um comportamento exemplar. Em vários países, ganham cada vez mais apoio discursos políticos baseados na hostilidade em relação aos estrangeiros, como se fossem eles a origem de todos os males, fomentando assim divisões e ódios. As guerras persistem, com causas diversificadas, e também o comércio de armas, nem sempre clandestino e até com a cumplicidade de governos envolvidos nesse comércio, indiferentes ao destino que a essas armas é dado.

Neste contexto, é muito oportuna a mensagem do Papa para o Dia Mundial da Paz deste ano: A Boa Política Está ao Serviço da Paz. O Papa reafirma a dignidade da política (que qualifica como «uma forma eminente de caridade») e da missão dos políticos. A boa política está ao serviço da vida e da dignidade das pessoas e ao serviço da paz, no respeito pelos direitos humanos fundamentais. Estes traduzem-se em outros tantos deveres (o que muitas vezes é esquecido) e, se uns e outros forem respeitados, permitem criar entre as gerações presentes e futuras um laço de confiança e gratidão.

A respeito da missão dos políticos, a mensagem evoca as “bem-aventuranças do político”, propostas pelo Cardeal vietnamita Francisco Xavier Van Thuan: é bem-aventurado o político que tem uma alta noção e uma profunda consciência do seu papel, que irradia credibilidade, que trabalha pelo bem comum e não pelos seus interesses, que é fiel e coerente, que realiza a unidade, que se compromete numa mudança radical, que sabe escutar e que não tem medo.

A boa política – salienta a mensagem – reconhece os carismas e capacidades de cada pessoa e encoraja os talentos e vocações dos jovens, porque cada pessoa e cada geração trazem consigo uma promessa que pode irradiar novas energias relacionais, intelectuais, culturais e espirituais. Nesta afirmação voltamos a encontrar um eco da preocupação do Papa Francisco pela frequente marginalização dos jovens, vítimas de desemprego.

A boa política promove a confiança no outro. E o Papa denuncia o clima de desconfiança enraizada no medo do outro ou do estrangeiro que se manifesta em atitudes de fechamento ou nacionalismo, que colocam em questão a fraternidade universal, de que o mundo globalizado tanto precisa.

Salienta também o Papa nesta mensagem que a paz não é um simples equilíbrio de forças, nem pode assentar na ameaça e medo de retaliações, porque sujeitar o outro a ameaças é negar a sua dignidade. A paz é um grande projeto político que se baseia na responsabilidade mútua e na interdependência dos seres humanos. Supõe uma conversão do coração e do espírito. Nas suas vertentes pessoal e comunitária, inclui três dimensões indissociáveis: a paz com o outro (o familiar, o amigo, o estrangeiro, o pobre, a pessoa que sofre), a paz com a criação (um dom de Deus por que somos responsáveis enquanto habitantes do mundo e construtores do futuro) e a paz consigo mesmo (o que supõe a recusa da intransigência, da cólera e da impaciência, para oferecer «um pouco de doçura aos outros»).

> Artigo publicado na Revista Cidade Nova de janeiro de 2019