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Porquê o sofrimento?

A busca do sentido do sofrimento é do que mais caracteristicamente humano existe, é incontornável para crentes (de qualquer fé religiosa) e não crentes. Tenho tido ocasião de o dizer em debates sobre a eutanásia, acentuando que a morte provocada não pode ser a resposta para o sofrimento, seja ele qual for, porque é uma forma ilusória e alienante de escapar a essa busca.

A essa busca está associada a questão clássica da eventual contradição entre o sofrimento inocente e a omnipotência e bondade de Deus (se Deus é omnipotente pode evitar o sofrimento, se é bondoso porque não o faz?). Uma questão que aflora recorrentemente, sobretudo diante de catástrofes naturais, (foi assim depois do terramoto de Lisboa de 1755, que serviu de ocasião a Voltaire para negar a Providência divina), ou de crimes monstruosos, como o holocausto do povo hebreu, («Onde estava Deus em Auschwitz?» – muitos se têm questionado). Mas se Deus não existir, estas questões permanecem, talvez com uma resposta impossível, (Job, exemplo do homem inocente e sofredor, não teria ninguém a quem pedir contas…).

Convém, desde logo, não imputar a Deus o que são claras responsabilidades humanas, como sucede com guerras, crimes ou até negligências que agravam as consequências de catástrofes naturais. Disse, a este respeito o filósofo russo Berdiaev, que mais escandaloso do que o prolema do mal é o da liberdade humana. O mal moral existe porque Deus respeita a liberdade, porque ama o ser humano e dele espera uma resposta de amor que não pode deixar de ser livre. E a liberdade implica a escolha do mal. A omnipotência de Deus deve ser vista a esta luz: não a de um ditador, mas a de quem, por amor, respeita a liberdade.

Por outro lado, nunca devemos permitir que o mal ofusque o bem que o supera e que devemos agradecer. As catástrofes muitas vezes fazem-nos esquecer o dom maravilhoso da natureza que faz nascer o sol todos os dias e nos dá a chuva que fecunda a terra. Quando lamentamos a morte de alguém, muitas vezes esquecemo-nos de agradecer o dom que foi a sua vida, para ele e para os outros, («Não me lamento porque ma tiraste, mas agradeço-Te porque ma deste» – disse Santo Agostinho quando morreu a sua mãe).

A fé na vida eterna também leva a relativizar os sofrimentos terrenos. Dizia Santa Teresa de Ávila que a vida mais miserável é apenas um instante, («uma noite numa má pousada»), diante da eternidade. Seja como for, a dor atroz que muitos experimentam no concreto das suas vidas não se elimina com explicações racionais ou reflexões teóricas.

Tem-no dito várias vezes o Papa Francisco: é em Jesus crucificado que podemos encontrar uma resposta para o sentido de qualquer sofrimento, e também o das crianças inocentes.

Desde logo, porque na dor de Jesus vemos como Deus não é indiferente ao sofrimento humano: Deus “faz-se um” com a pessoa humana no seu sofrimento. Depois, porque à paixão, abandono e morte de Jesus se segue a ressurreição, a que cada um de nós também é chamado. A última palavra não é, pois, a do sofrimento e da morte. Aqui se manifesta a verdadeira omnipotência de Deus, a omnipotência do amor que faz passar da morte à vida.

Eis porque o sofrimento humano não nega o amor de Deus. Deus, em Jesus, faz seu o sofrimento humano, e como manifestação suprema do seu amor, faz dele a porta para a vida em plenitude a que somos chamados.

Disse Chiara Lubich, referindo-se a Jesus Abandonado: «Para que tivéssemos a Luz, perdeste a vista, para que tivéssemos a união, experimentaste a separação do Pai»; «Basta vermo-nos semelhantes a Ti ao menos um pouco, e unir a nossa dor à tua e oferecê-la ao Pai».

> Artigo publicado na Revista Cidade Nova de fevereiro de 2019