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Polarização e Diálogo

No âmbito da atividade política (mas não só) vai sendo frequente (nalguns países mais do que noutros) assistir a uma completa polarização, que torna difícil o diálogo e a busca de pontos de convergência. Por vezes, isso quebra até relações de amizade e, para que tal não suceda, evita-se falar sobre assuntos que geram divisão. Um recente editorial da revista norte-americana Living City (da família da nossa revista Cidade Nova), afirmava, a propósito da profunda divisão social associada às eleições desse país: «Temos de readquirir a capacidade de dialogar, de nos escutarmos e compreendermos reciprocamente». Na verdade, é raro que, numa disputa política, toda a verdade e todo o bem residam numa das partes em confronto. Uma experiência de diálogo entre políticos de diferentes parti- dos caracteriza o Movimento Político para a Unidade, surgido no âmbito do Movimento dos Focolares, de que já temos falado nesta revista.

Na encíclica Fratelli tutti, o Papa Francisco aborda a importância do diá- logo nos vários âmbitos da vida social.

Por um lado, salienta essa encíclica que não facilita o verdadeiro diálogo (mas antes a coexistência de vários monólogos) um uso frequente de redes sociais, marcado por uma «agressividade despudorada», onde se recorre a expressões e posturas que outrora envergonhariam qual- quer pessoa. Se essa agressividade «existisse no contacto pessoal acaba- ríamos todos por nos destruir entre nós» (n.44). Os meios digitais também favorecem o encontro entre pessoas com as mesmas ideias e dificultam o confronto com quem tem ideias diferentes (n. 45). As pessoas que não pensam como nós «são simples- mente eliminadas nas redes virtuais», construindo-se, desse modo, «um círculo virtual que nos isola do mundo em que vivemos» (n. 47). Perdemos, assim, a capacidade de escuta (n. 49).

Mas – diz também o Papa – pode- mos «buscar juntos a verdade no diálogo, na conversa tranquila ou na discussão apaixonada. É um caminho perseverante, feito também de silêncios e sofrimentos, capaz de recolher pacientemente a vasta experiência das pessoas e dos povos» (n. 50).

Na base do diálogo social autêntico está «a capacidade de respeitar o ponto de vista do outro, aceitando como possível que contenha convicções ou interesses legítimos». Assim, o diálogo «é um estímulo constante que permite alcançar de forma mais adequada a verdade ou, pelo menos, exprimi-la melhor». Isto porque «as diferenças são criativas, criam tensão e, na resolução duma tensão, está o progresso da humanidade» (n. 203).

Tal não significa aderir ao relativismo, como se a verdade estivesse sujeita a consensos ou negociações. Mesmo que se deva reconhecê-la, ou as suas implicações concretas, através do diálogo, há «verdades que não mudam, que eram verdade antes de nós e sempre o serão» (n. 208). É importante reconhecer essas verdades permanentes (como a dignidade inviolável de qualquer pessoa), por- que são elas que dão estabilidade e solidez à ética social. Elas estão para além de qualquer consenso, mas o diálogo pode ajudar-nos a uma melhor compreensão do seu significado e das suas implicações práticas em contextos que vão mudando (n. 211).

Em suma, na base do valor do diálogo, está esta firme convicção: «De todos se pode aprender alguma coisa, ninguém é inútil, ninguém é supérfluo» (n. 215). 

> Artigo publicado na Revista Cidade Nova de fevereiro de 2021