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O desafio das migrações

Permanecem ainda na memória de muitos as palavras e gestos do Papa Francisco sobre a questão dos refugiados e migrantes durante a sua viagem à Grécia e a Chipre. No seu discurso de 5 de dezembro, salientou que a Europa e a comunidade internacional, ao contrário do que se verifica com outros grandes desafios, como o combate à pandemia e às alterações climáticas, ainda não encontraram políticas conjugadas e globais para encarar este desafio dos tempos atuais. Falou de «naufrágio da civilização» a propósito da indiferença perante as mortes na travessia do Mediterrâneo que continuam a ocorrer. 

A proposta do Papa Francisco é a de acolher, proteger, promover e integrar estas pessoas. Ele não advoga migrações desreguladas, ou o incentivo a travessias dominadas por redes de tráfico de pessoas ou de auxílio à imigração ilegal. Advoga, sim, a existência de vias legais e seguras para as migrações, as quais, desse modo, podem beneficiar pessoas e países de origem e de destino. É a inexistência dessas vias que favorece a ilegalidade e a insegurança. 

Nessa linha, entre nós o Serviço Jesuíta aos Refugiados (JRS) vem propugnando o acesso dos candidatos à imigração a um visto para obtenção de trabalho, pois a exigência (que hoje se verifica) de um contrato de trabalho já assinado, para a obtenção de um visto, vem tornando essa obtenção quase impossível.

Os últimos dados sobre a integração dos imigrantes em Portugal (publicados pelo Observatório sobre Migrações em www.om.acm.gov.pt) confirmam que eles beneficiam a sociedade portuguesa em vários aspectos. Os seus contributos para a Segurança Social superam os subsídios que dela obtêm. E, sobretudo, porque neles predominam idades mais jovens e economicamente ativas, contribuem para atenuar o envelhecimento da sociedade portuguesa, que em anos sucessivos vem conhecendo défices crescentes de nascimentos. Sendo certo que não é esta a forma de resolver radicalmente tão grave problema (ela não dispensa a inversão dessa tendência de declínio entre a população portuguesa nativa, até porque os nascimentos entre os imigrantes também não asseguram a renovação das gerações), não pode ignorar-se que o atenua no curto prazo.

O Papa Francisco também tem salientado, na encíclica Fratelli tutti e em várias ocasiões, que as culturas se enriquecem com contributos de outras, porque elas não são estáticas, e é esse o desafio com que se confronta hoje a cultura cristã da Europa. Isso é muito diferente de um cancelamento das tradições, em nome da inclusão de outras culturas, na linha da tão criticada proposta da Comissão Europeia de passar a omitir a referência ao Natal nas tradicionais saudações da época respetiva. Uma coisa é enriquecer as raízes cristãs da Europa, outra, muito diferente, é cancelá-las.

A propósito desta questão, afirmou Francisco no referido discurso que o acolhimento de refugiados é exigência de «raízes cristãs concretas», as quais se distinguem de alguma «ideologia religiosa».E afirmou também, na sua mensagem para o Dia Mundial do Migrante e Refugiado, que os fluxos migratórios são «uma nova fronteira missionária, ocasião privilegiada para anunciar Jesus Cristo e o seu Evangelho sem se mover do seu ambiente, para testemunhar concretamente a fé cristã na caridade e no respeito profundo pelas outras experiências religiosas».

> Artigo publicado na Revista Cidade Nova  de fevereiro de 2022