Uma nova “Guerra Fria”?
- Pedro Vaz Patto
- 11 Novembro, 2022
- 0 ponto de vista de Cidade Nova
- Opinião
A invasão da Ucrânia veio transformar profundamente a ordem geopolítica internacional. Depois do fim da União Soviética, parecia que se iria desvanecer a divisão do mundo em blocos separados pela ideologia e pela economia. Essa divisão não chegou a desembocar numa guerra generalizada, embora se tenha refletido em conflitos localizados. Essa situação de conflito sempre latente veio a ser designada como “guerra fria”. Entretanto, a globalização económica criou laços de interdependência que pareciam afastar antigas divisões e o perigo de guerras (já de há muito se diz que o comércio é um bom instrumento para afastar esse perigo). Essa “guerra fria” parecia superada.
Agora, todas estas mudanças são postas em causa. Vê-se que as divisões ideológicas não desapareceram A interdependência económica não as eliminou. Confrontam-se o Ocidente e a Rússia, mas também o Ocidente e a China. Por isso, a perspetiva que surge no horizonte é a de uma certa “desglobalização económica” e de uma nova “guerra fria”, com todas as tensões que acompanharam as décadas que se sucederam à II Guerra Mundial.
O apaziguamento subsequente ao fim da “guerra fria” deveria ter levado a um generalizado desarmamento, com significativa redução das despesas bélicas. Tal não se verificou, porém. Mas agora, quando uma guerra com repercussões mundiais voltou a eclodir, são generalizados os apelos ao aumento dessas despesas, como forma de dissuadir novas agressões como aquela a que assistimos.
Neste contexto, vão claramente “contra a corrente” os apelos do Papa Francisco à redução das despesas através do desarmamento e da eliminação total das armas nucleares. É de recordar a sua proposta de criação de um fundo destinado ao combate à pobreza mundial e gerado por quantias decorrentes da redução dessas despesas. Podem parecer irrealistas esses apelos.
Não serão irrealistas se quisermos ver mais longe e soubermos aprender as lições da história, como sucedeu, precisamente, depois da II Guerra Mundial, quando muitos quiseram evitar a repetição dessa trágica experiência. Também desta trágica experiência da guerra da Ucrânia devem ser colhidas lições como essas.
Uma lição que podemos aprender é a de que não basta criar laços de interdependência económica para construir a verdadeira paz. A esses laços há que acrescentar uma unidade no plano dos valores, os da fraternidade universal e da promoção dos direitos fundamentais das pessoas e dos povos. A uma unidade nesse plano aspiram instituições como as Nações Unidas e a União Europeia, ambas nascidas depois da II Guerra Mundial, para evitar a repetição dessa tragédia. Se entre os governos permanecem diferentes visões a respeito desses valores, pode surgir essa unidade a partir da sociedade civil, onde mais facilmente se refletem aspirações verdadeiramente universais.
Talvez nunca como agora, o medo do recurso a armas nucleares a todos aterroriza. Ninguém pode garantir que algum dia não se concretizem as ameaças do seu uso. Por isso, outra lição a aprender é a de que só viveremos tranquilos e em paz se essas armas forem totalmente eliminadas.
Uma paz assente no medo e na ameaça não é uma verdadeira paz. É a uma verdadeira paz que deveremos aspirar se soubermos captar a lição da tragédia que estamos a viver. Uma tragédia que parece não ter fim à vista. Que confirma a frase de São João Paulo II: «a guerra é uma aventura sem retorno».
> Artigo publicado no editorial da Revista Cidade Nova de novembro de 2022
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