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O “Algo Mais”

Aproxima-se a data da cimeira de Glasgow (COP 26), onde os dirigentes políticos mundiais irão deliberar sobre medidas urgentes a tomar no âmbito do combate às alterações climáticas. A urgência dessas medidas foi sublinhada pelo mais recente relatório do Painel Intergovernamental sobre Alterações Climáticas (IPCC); de acordo com esse relatório, as consequências da inação nesse campo serão ainda mais graves do que até aqui se tem pensado. Estão em causa mudanças profundas dos sistemas económicos e dos hábitos quotidianos de cada um de nós. E está em jogo o futuro (um futuro cada vez mais próximo) das novas gerações.

O Papa Francisco foi convidado a discursar nessa cimeira. Muitos reconhecem a influência que teve a mensagem da sua encíclica Laudato Si´ na anterior cimeira de Paris (a COP 21), contemporânea da publicação dessa encíclica. Ao Papa Francisco é, assim, reconhecida, uma relevante autoridade moral (não política, certamente), por políticos de vários quadrantes, de diversas religiões, religiosos ou não. Por outro lado, ele tem insistido nesta temática desde o início do seu pontificado, onde pode ser identificado um verdadeiro “sinal dos tempos”.

Mas o Papa não se tem limitado, nem se limitará, a “fazer coro” com os discursos ecológicos cada vez mais comuns e omnipresentes, a repetir o que todos (ou quase todos) já dizem. Poderemos questionar-nos sobre qual o contributo específico do pensamento cristão nestes debates e ações sobre temáticas ecológicas, aquele contributo que pode dar “algo mais” ao habitual discurso político. Um contributo que nos chega através do Papa Francisco, mas que também já havia sido dado pelos Papas São João Paulo II e Bento XVI. E que não se limita à Igreja Católica: veja-se a recente e inédita declaração conjunta sobre a proteção da criação do Papa Francisco, do Patriarca Ecuménico de Constantinopla (ortodoxo) Bartolomeu e o Arcebispo de Cantuária (anglicano) Justin Welby (acessível em www.vatican.va).

Esse contributo decorre da visão da natureza como dom de Deus, reflexo da sua sabedoria, da sua beleza e da sua glória. Essa visão leva a respeitar a harmonia, a ordem, o equilíbrio, a “gramática”, as leis que Deus nela inscreveu. Uma harmonia que não é perfeita e deixa espaço a intervenção do ser humano para a completar, mas não para a destruir. Com essa visão contrasta a da natureza como fruto de acaso caótico ou a do ser humano autossuficiente e “criador de si próprio”, que lida com a natureza de forma arbitrária e irresponsável. Neste sentido, afirma o Papa Francisco na encíclica Laudato Si´ (n. 75): «Não podemos defender uma espiritualidade que esqueça Deus todo-poderoso e criador. Neste caso, acabaríamos por adorar outros poderes do mundo, ou colocar-nos-íamos no lugar do Senhor chegando à pretensão de espezinhar sem limites a realidade criada por Ele. A melhor maneira de colocar o ser humano no seu lugar e acabar com a sua pretensão de ser dominador absoluto da terra, é voltar a propor a figura de um Pai criador e único dono do mundo; caso contrário, o ser humano tenderá sempre a querer impor à realidade as suas próprias leis e interesses». 

> Artigo publicado na Revista Cidade Nova  de novembro de 2021