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Cidadania Ativa

Em tempo de eleições, como este que agora vivemos, vai-se tornando recorrente falar dos crescentes níveis de abstencionismo, que parecem não desaparecer. Longe vão os tempos das primeiras eleições realizadas depois do 25 de Abril, em que se registaram níveis de participação (91,4%) nunca mais alcançados entre nós. Mas não é esse o único sinal que vemos de desinteresse e ceticismo em relação à atividade política em geral.

Será oportuno, a este respeito, relembrar o que afirma o Papa Francisco na encíclica Fratelli tutti sobre a dignidade da política. Aí afirma (n. 180): «Convido uma vez mais a revalorizar a política, que é uma sublime vocação, é uma das formas mais preciosas da caridade, porque busca o bem comum». E ainda (n. 186): «É caridade acompanhar uma pessoa que sofre, mas é caridade também tudo o que se realiza – mesmo sem ter contacto direto com essa pessoa – para modificar as condições sociais que provocam o seu sofrimento. Alguém ajuda um idoso a atravessar um rio, e isto é caridade primorosa; mas o político constrói-lhe uma ponte, e isto também é caridade. É caridade se alguém ajuda outra pessoa fornecendo-lhe comida, mas o político cria-lhe um emprego, exercendo uma forma sublime de caridade que enobrece a sua ação política».

Também Chiara Lubich sublinhou várias vezes a dignidade da política, sobretudo quando se dirigiu aos membros do Movimento Político pela Unidade, por ela fundado, cujo objetivo é a vivência da fraternidade na política. São dela estas palavras (ao Movimento Político Europeu, Madrid, 3/12/2002):

«A resposta à vocação política é, antes de tudo, um ato de fraternidade (…) Mais do que isso, a tarefa do amor político é a de criar e salvaguardar as condições que permitem que todos os outros amores floresçam: o amor dos jovens que querem casar e precisam de uma casa e de um trabalho. O amor de quem quer estudar e precisa de escolas e de livros. O amor de quem se dedica à sua empresa e precisa de estradas, caminhos de ferro, regras certas… A política é, portanto, o amor dos amores, que faz com que as pessoas colaborem entre si, fazendo com que se encontrem as necessidades e os recursos, infundindo em todos a confiança uns nos outros. A política pode comparar-se a um pedúnculo de uma flor que sustém e alimenta o renovado desabrochar das pétalas da comunidade».

Diante destas palavras, muitos dirão, compreensivelmente, que a política que conhecemos está longe deste ideal e que é isso que contribui para o desinteresse e o ceticismo que vemos à nossa volta.

Mas a omissão de participação, a qualquer nível, é uma demissão do exercício da cidadania que não ajuda a alterar esse estado de coisas. É sempre possível fazer algo para o alterar, para além da crítica inconsequente. O voto informado e consciente é o primeiro passo nesse sentido.

Esse voto, baseado em princípios e valores, mais do que interesses pessoais ou de grupo, supõe muitas vezes opções complexas, quando não nos identificamos plenamente com nenhuma força política. Mas a cidadania ativa não se esgota no momento do voto, nem em atividades partidárias. A esse momento devem seguir-se outros, de responsabilização dos eleitos, de formulação de propostas, de críticas construtivas.

> Artigo publicado na Revista Cidade Nova  de janeiro de 2022