Quem envelhece não se aproxima do fim
- Pedro Vaz Patto
- 20 Junho, 2023
- 0 ponto de vista de Cidade Nova
- Opinião
Uma das lições que deveremos retirar da pandemia que recentemente atingiu o mundo inteiro liga-se à redescoberta do valor da vida dos mais velhos. Não é por a vida se aproximar do seu termo que perde valor. Para preservar essa vida, muitos sacrifícios se fizeram e se justificaram durante a pandemia.
Parece que ainda não retirámos todas as consequências dessa lição da pandemia. A legalização da eutanásia e do suicídio assistido vai num sentido contrário ao da valorização da vida na sua fase final. Por outro lado, notícias recentes sobre a proliferação de lares clandestinos e sem condições dignas devem alertar-nos para a grave carência da assistência aos idosos no nosso país. As famílias que os assistem em casa não são apoiadas como seria justo que fossem. Nem todas podem prestar essa assistência e também há idosos sozinhos e sem apoio familiar. Estima-se em cerca de cinquenta mil o número em falta de camas em lares. As instituições de solidariedade social recebem apoios estatais que não acompanham os aumentos de custos e não permitem a justa remuneração dos seus trabalhadores.
Os mais velhos têm sido das principais vítimas daquela “cultura do descarte”, muitas vezes denunciada pelo Papa Francisco. Reafirma ele na encíclica Fratelli tutti (n. 19): «Não nos apercebemos de que isolar os idosos e abandoná-los à responsabilidade de outros sem um acompanhamento familiar adequado e amoroso mutila e empobrece a própria família. Além disso, acaba por privar os jovens daquele contacto que lhes é necessário, com as suas raízes e com uma sabedoria que a juventude, sozinha, não pode alcançar».
A propósito desta lição ainda não devidamente aprendida, será oportuno recordar o documento da Academia Pontifícia pela Vida A Velhice. O Nosso Futuro – A condição dos idosos depois da pandemia.
Sem deixar de reconhecer que tal nem sempre é possível, este documento afirma o dever de criar as melhores condições para que os idosos possam viver esta particular fase da vida no ambiente familiar: «Quem não gostaria de continuar a viver na sua casa, rodeado de afetos das pessoas que lhe são queridas, também quando se torna mais frágil? A família, a casa, o seu ambiente, representam a escolha mais natural para quem quer que seja.»
Sobre o valor da vida dos idosos, afirma lapidarmente este documento; «Em qualquer caso, ser idoso é um dom de Deus e um enorme recurso, uma conquista que deve ser salvaguardada e cuidada, também quando a doença se torna incapacitante e surgem necessidades de assistência integrada e de elevada qualidade». Citando São João Paulo II, o documento liga o valor da velhice ao sentido do destino último da existência humana: «É urgente recuperar a perspetiva correta de consideração da vida no seu conjunto. E a perspetiva correta é a da eternidade, da qual a vida é uma preparação significativa em cada uma das suas fases. Também a velhice tem um seu papel a desempenhar neste processo de progressiva maturação do ser humano a caminho da eternidade. Se a vida é uma peregrinação em direção ao mistério de Deus, a velhice é o tempo em que mais naturalmente se olha para o limiar deste mistério. O homem que envelhece não se aproxima do fim, mas do mistério da eternidade, para o compreender, precisa de se aproximar de Deus e de viver em relação com Ele.».
Compreende-se, assim, melhor porque é que nunca deve dizer-se, de si ou de outros, que já não estamos «cá a fazer nada…».
> Artigo publicado no editorial da Revista Cidade Nova de junho de 2023
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