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Oportunidades e perigos

Foi noticiado há pouco tempo que um conjunto de peritos na área da inteligência artificial pediu a suspensão do desenvolvimento desta tecnologia, para avaliar os seus perigos e evitar que se perca o controlo sobre ela. Compreende-se esse receio quando se anuncia que a inteligência artificial poderá substituir muito do trabalho até agora realizado por médicos, professores, economistas, juízes e políticos. Já não são apenas robôs que aspiram a casa ou veículos sem condutor. O receio não é apenas o da perda da utilidade de muitas profissões, é o de que nós, humanos, passemos a ser dominados por máquinas, pois estas terão uma “inteligência” bem mais capaz do que a nossa.

Estamos perante uma nova revolução técnica que, como as anteriores, acarreta profundas transformações sociais e culturais.

Mas deverá suceder agora o que sucedeu com revoluções técnicas anteriores: elas não substituíram a atividade humana, permitiram que esta se concentrasse mais naquilo que ela tem de específico e insubstituível, que nenhuma máquina pode fazer, ou fazer bem. Evitaram esforços físicos e trabalhos braçais. Mas nem sequer esses foram completamente substituídos, porque também eles contêm uma componente humana insubstituível (veja-se, por exemplo, o valor do trabalho do artesão face à produção em série). Depois, foram também trabalhos intelectuais mais repetitivos ou rotineiros substituídos por computadores. Agora são trabalhos que nos habituámos a ver como especificamente humanos e intelectualmente exigentes que poderão ser substituídos. Mas só até certo ponto, porque nos cabe identificar melhor o que eles têm de especificamente humano e insubstituível: essa especificidade poderá ser o do pensamento verdadeiramente criativo, que não se limita a recolher e selecionar o que foi já pensado e dito por outros (o que a inteligência artificial faz melhor), mas cria algo de inédito perante situações únicas. Ou a avaliação ética, que não se confunde com uma qualquer operação de cálcu- lo aritmético de consequências.

Sobre as oportunidades e perigos da inteligência artificial, falou o Papa Francisco num discurso que dirigiu aos participantes num encontro sobre essa temática, promovido pelo Dicastério da Santa Sé para a Educação e a Cultura, no passado dia 27 de março. Nesse discurso, afirma o Papa que a inteligência artificial pode «contribuir beneficamente para o futuro da humanidade», um benefício que é «prova da criatividade do ser humano e também da nobreza da sua vocação de participante responsável da ação criativa de Deus». Pode, e deve, contribuir para «um mundo melhor e uma qualidade de vida integralmente superior». No entanto, sublinha também o Papa, as tecnologias digitais, até agora, têm contribuído para o incremento das desigualdades, «não apenas de riqueza material, que não deixam de ser importantes, mas também de acesso à influência política e social».

A inteligência artificial deve ser um instrumento ao serviço da dignidade humana. Aludindo ao facto de ela, contra esse princípio, poder servir (como já sucede nalguns casos) para discriminar candidatos a empregos ou autores de crimes em função de algumas características e comportamentos passados, salienta o Papa nesse discurso que «o valor da pessoa não pode ser medido por um conjunto de dados», dados que podem ser «muitas vezes de forma sub-reptícia, (…) contaminados por preconceitos sociais», sendo que o comportamento passado de uma pessoa «não deve ser usado para lhe negar a oportunidade de mudar, de crescer e de dar um contributo à sociedade».

Sobre as oportunidades e perigos da inteligência artificial, há, pois, que refletir. 

> Artigo publicado no editorial da Revista Cidade Nova  de maio de 2023