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Novo fôlego para a Europa?

Sobre o desafio que enfrenta hoje a União Europeia e o projeto da unidade europeia, afirmaram os bispos portugueses no documento Recomeçar e reconstruir – Reflexão da Conferência Episcopal Portuguesa sobre a sociedade portuguesa a reconstruir depois da pandemia Covid-19, de 17 de junho de 2020

«Na origem da União Europeia está a lição de outra calamidade de dimensão mundial, a II Guerra Mundial, calamidade que revelou até que ponto extremo podem chegar os egoísmos nacionais. A União Europeia propõe-se, desde a sua origem, superar esses egoísmos através da construção de uma verdadeira comunidade. Numa verdadeira comunidade, como numa família, cada membro sente como seus os dramas dos outros.

Em nenhum outro momento da história da União Europeia, e já antes desta pandemia, se verificou uma tão grande crise de confiança dos cidadãos europeus nas instituições dessa União. O sentimento de pertença que pode dar coesão a essa comunidade poderá diminuir, ou até desaparecer, quando os cidadãos europeus deixarem de sentir que a União Europeia é alheia aos dramas que os atingem. Por isso, a União Europeia confronta-se hoje com aquele que é talvez o maior desafio da sua história: no combate à pandemia e à crise económica e social, deve agir como verdadeira comunidade, e não como simples conglomerado de interesses contrapostos em busca de compromissos».

Já depois da publicação desse documento, a aprovação do Plano de Recuperação e Resiliência (também conhecido por “bazuca europeia”) veio dar um novo fôlego ao projeto de unidade europeia, encarado na perspetiva de uma verdadeira comunidade empenhada na prossecução de um bem comum europeu que não deixe ninguém para trás (porque o bem comum é «o bem de todos e de cada um»). Tal plano prevê avultados apoios aos países mais atingidos pela crise económica subsequente à pandemia da Covid-19, numa perspetiva de reconstrução sustentável que tem em conta as necessárias transições energética e digital. Pode comparar-se ao Plano Marshall, que impulsionou a reconstrução europeia depois da II Guerra Mundial. De acordo com uma recente sondagem do Eurobarómetro, a confiança dos europeus no projeto da unidade europeia cresceu dez pontos percentuais depois da pandemia.

Discute-se agora, em Portugal como noutros países europeus, as prioridades que tal plano deve contemplar na perspetiva de um futuro sustentável. Notei que, em Itália, associações familiares alertaram para o facto de nessa discussão se esquecer a questão da crise demográfica que, talvez mais do que qualquer outra, põe em causa a sustentabilidade futura das sociedades e economias europeias. O mesmo se deverá dizer das discussões que ocorrem em Portugal.

As excecionais oportunidades que nos proporciona tal plano não devem levar-nos a esquecer o que se passou com o aproveitamento dos fundos europeus nos primeiros anos que se seguiram à adesão de Portugal à União Europeia. Tais fundos contribuíram em boa medida para o desenvolvimento do país, mas não certamente naquela medida em que poderiam ter contribuído. Devido a fraudes (que chegaram a integrar uma categoria própria nas estatísticas), mas também devido a uma mentalidade própria de quem se dispensa de dar o seu próprio contributo para o desenvolvimento do país e pensa que subsídios externos tudo resolverão. Será de evitar ver novamente a Europa como a “árvore das patacas” (como se dizia na altura). 

O desafio é o de um esforço solidário recíproco, que não deixe ninguém de fora, nem mesmo as gerações futuras.

> Artigo publicado na Revista Cidade Nova de abril de 2021