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Comemorar a liberdade religiosa

O vigésimo aniversário da Lei da Liberdade Religiosa (Lei n.º 16/2001, de 22 de junho) foi celebrado no passado dia 22 de junho. O dia 22 de junho de todos os anos é, entre nós e por determinação da Assembleia da República, «Dia da liberdade religiosa e do diálogo inter-religioso».

A inovação principal dessa Lei residiu na extensão a todas as comunidades religiosas, à luz do princípio constitucional da igualdade, de direitos até então garantidos à Igreja Católica pela Concordata celebrada entre o Estado português e a Santa Sé (entretanto também revista). Essa igualdade de princípio não impede um tratamento diferenciado quando for razoável atender ao número relativo de aderentes de cada comunidade, que, por razões históricas e sociológicas, continua a distinguir a Igreja Católica. Mas a relevância da liberdade religiosa é a mesma para a maioria e para as minorias.

O valor da liberdade religiosa é, depois da declaração do Concílio Vaticano II Dignitatis Humanae, reconhecido claramente pelo magistério da Igreja Católica (nem sempre foi assim anteriormente). Bento XVI salientou este exemplo de inovação doutrinal decorrente do Vaticano II não como rutura, mas como uma maior fidelidade à mensagem do Evangelho e, nessa medida, de continuidade a um nível mais profundo. Na verdade, é no Evangelho que lemos: «Dai a César o que é de César e a Deus o que é de Deus». Se o Evangelho nos revela um Deus que é Amor, a resposta a esse Amor não pode deixar de ser uma resposta de amor e, por isso, livre de qualquer coação. Afirma, por outro lado, essa declaração, que «a verdade não se impõe de outro modo senão pela sua própria força, que penetra nos espíritos de um modo ao mesmo tempo suave e forte».

A Lei da Liberdade Religiosa consagra, além dos princípios da liberdade, da igualdade e da tolerância, um princípio de cooperação entre o Estado e as comunidades religiosas. Cooperação que pode abranger a promoção da dignidade humana, da solidariedade social, da justiça e da paz. A laicidade do Estado não se confunde, por isso, com o laicismo, o qual ignora (ou combate, até) a relevância social da religião. A religião tem a maior relevância pessoal (pois nela encontram os crentes o sentido mais profundo da sua existência), mas também social, como fator de coesão e solidariedade. Para tal, porém, há que evitar a sua instrumentalização em função de interesses políticos e de afirmação de um “nacionalismo de exclusão”.

Esta comemoração associou o valor da liberdade religiosa ao do diálogo inter-religioso. É bom que o tenha feito. O reconhecimento recíproco e universal da liberdade religiosa, de maiorias e de minorias, é o primeiro pressuposto do diálogo inter-religioso. As religiões em diálogo e cooperação são, para a paz e harmonia social, “parte da solução” e não “parte do problema”. Neste aspeto, a experiência do nosso país, onde não têm tido expressão correntes extremistas que põem em causa esse diálogo, tem sido apontada como exemplar (assim o disse, a propósito desta comemoração, Jorge Sampaio, que foi presidente da Aliança para o Diálogo entre Civilizações das Nações Unidas). É de desejar que assim continue a ser.

> Artigo publicado na Revista Cidade Nova de agosto/setembro de 2021